top of page

ARRAIAL INCLUSIVO: COMO A FESTA JUNINA IMPULSIONA O DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS COM TEA

  • Foto do escritor: Drª Mariana Ramos
    Drª Mariana Ramos
  • 28 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 4 de jul.

A Festa Junina, um dos patrimônios culturais mais queridos do Brasil, vai além da música de sanfona, das bandeirinhas coloridas e do cheiro de milho cozido; para famílias que convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ela se torna um verdadeiro “laboratório natural” para desenvolver habilidades essenciais. Ao expor a criança ou o adolescente a um ambiente lúdico, porém estruturado, o arraial permite trabalhar seletividade alimentar, flexibilidade de rotina, habilidades sociais, integração sensorial e coordenação motora, tudo de forma prazerosa e significativa.


No campo da alimentação, a festa oferece uma oportunidade ímpar de enfrentar a seletividade típica de muitos autistas. Barracas repletas de milho, canjica, pamonha, pipoca, cocada e bolo de fubá possibilitam exercícios de exposição gradual: primeiro sentir o cheiro, depois tocar o alimento, encostar a língua, dar uma mordida pequena e, por fim, degustar. Essa escadinha sensorial, quando conduzida com paciência, reduz a ansiedade e amplia o repertório alimentar sem transformar a refeição em um momento de tensão familiar. Participar do preparo das guloseimas, medindo o fubá ou mexendo a panela, ainda confere previsibilidade de texturas e cheiros, favorecendo a aceitação. (Continua após a publicidade).

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

A própria estrutura da festa serve de treino para a flexibilidade cognitiva, área muitas vezes sensível no TEA. A quebra da rotina diária é anunciada dias antes com um calendário visual que inclui fotos do arraial, horários de vestir a roupa de caipira e a sequência das atividades. Esse planejamento antecedente permite que a criança vivencie a mudança de maneira positiva, aprendendo que nem toda alteração de script provoca desconforto; pelo contrário, pode vir acompanhada de música, brincadeiras e prêmios.


No quesito interação social, as danças típicas brilham como intervenção. A quadrilha apresenta papéis claros (noiva, noivo, padrinhos) e frases decoradas (“Olha a cobra!”, “É mentira!”) que funcionam como um roteiro previsível, facilitando a reciprocidade para quem tem dificuldade em iniciar ou manter conversas. Mesmo adolescentes não falantes podem se engajar repetindo gestos e passos sincrônicos, sentindo-se parte do grupo. Danças circulares, como a ciranda ou a roda de sanfona, reforçam contato visual e sincronização motora, ao mesmo tempo em que estimulam empatia e autorregulação.

Do ponto de vista sensorial, a festa oferece sons, luzes e cheiros que tanto podem ser atrativos quanto desafiadores. Ajustes simples, como reduzir o volume da música abaixo de 80 decibéis, posicionar a família em área ventilada longe da fumaça da fogueira e disponibilizar fones abafadores ou um “cantinho do descanso”, transformam o excesso de estímulos em campo de treino controlado. O ritmo repetitivo do forró e o compasso da sanfona, por serem previsíveis, auxiliam na organização auditiva e na regulação do sistema vestibular.


Nas brincadeiras de corrida do saco, pescaria e derruba-latas, a criança exercita equilíbrio, força de preensão e tempo de reação, habilidades essenciais para a coordenação visuo-motora e que, muitas vezes, carecem de treino específico nos modelos tradicionais de intervenção. Como essas atividades vêm permeadas de humor e reforço social — aplausos, brindes, fotos — a adesão costuma ser maior e os ganhos generalizam para o cotidiano.


Para que tudo funcione, todavia, o planejamento deve ser colaborativo. É fundamental envolver a criança na escolha do figurino, priorizar tecidos macios que não irritem, ensaiar em casa palavras-chave das brincadeiras, usar placas com pictogramas para indicar banheiros, barracas e a saída, além de capacitar monitores para reconhecer sinais de sobrecarga sensorial e conduzir a pessoa ao espaço de autorregulação se necessário. Quando tais detalhes são observados, a festa torna-se um contexto rico em aprendizagem incidental, conceito que ressalta como habilidades se solidificam em ambientes de uso real.


A ciência respalda esse potencial terapêutico: estudos em análise do comportamento mostram que exposições graduais reduzem ansiedade alimentar; pesquisas em musicoterapia confirmam que sincronizar movimentos a um ritmo externo melhora a co-regulação emocional; e evidências em psicologia cultural salientam que rituais coletivos fortalecem identidade, pertencimento e autoestima, fatores protetores para a saúde mental de pessoas autistas.


Em síntese, a Festa Junina não é apenas uma celebração folclórica: é uma intervenção multifacetada, prazerosa e acessível, que alia tradição popular à promoção do desenvolvimento de quem vive no espectro. Com organização inclusiva e o olhar atento de pais, escolas e profissionais, a quadrilha, a pamonha e o correio elegante transformam-se em ferramentas de expansão de repertórios, mostrando que cultura e neurodiversidade podem — literalmente — dançar juntas.

Komentarze

Oceniono na 0 z 5 gwiazdek.
Nie ma jeszcze ocen

Oceń
Logomarca colorida do site Auticast
  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Branca Ícone Instagram

© 2025 Auticast - Um produto do Grupo ItaClick de Comunicação.

bottom of page